domingo, 21 de abril de 2013

Crítica: A Morte do Demônio traz novos sustos na situação de sempre.

Não dá para colocar o remake de A Morte do Demônio no mesmo balaio de novas versões de clássicos do terror moderno como Sexta-Feira 13, A Hora do Pesadelo e O Massacre da Serra Elétrica. Primeiro, existe um desejo genuíno no filme do diretor estreante Fede Alvarez em dar novo sentido à velha história dos “jovens em uma cabana na floresta massacrados por uma entidade maligna”. Segundo, a nova versão existe na mesma dimensão dos filmes originais (universos que podem se cruzar) e tem o dedo de seus produtores originais, que assinam o novo filme.

Claro, muito mudou desde que Sam Raimi, Bruce Campbell e Robert Tapert se enfiaram numa floresta para redesenhar as convenções do cinema de terror. Raimi, então com 22 anos, juntou dinheiro com amigos e parentes e rodou o filme com Campbell, seu amigo do colégio, como o protagonista. O custo da empreitada foi a fortuna de 350 mil dólares – com muito improviso e inventividade para driblar os inúmeros problemas de produção (como o elenco desertando com pouco mais da metade da fotografia principal estar completa). O resultado, porém, foi épico. Proibido em diversos países, retalhado em outros (eu mesmo nunca vi no cinema, trampo que ficou para meu irmão mais velho), A Morte do Demônio, tradução equivocada de The Evil Dead, ou “Os Mortos Malignos”, alcançou extremos que impressionaram até Stephen King, o mestre do suspense.


Algo espreita no porão da cabana de A Morte do Demônio


Completada a tarefa, e se tornando um diretor completo com seu filme seguinte, a comédia Dois Heróis Bem Trapalhões, Raimi retomou a cabana na floresta com Evil Dead II – no Brasil Uma Noite Alucinante – e praticamente refilmou seu primeiro trabalho com mais grana e mais humor negro. Ash, personagem de Bruce Campbell, ganhou status de herói cult e o vocabulário do filme, com seus zumbis batizados deadites e os bordões de Ash, ganharam o mundo. Raimi ainda retomaria aquele universo em 1992 com o épico mediaval Army of Darkness antes de mergulhar em uma série de filmes modestos e espetaculares – e de assumir as rédeas da chegada do Homem-Aranha no cinema em uma trilogia milionária.

Mas The Evil Dead continuava assombrando. A “cabana na floresta” se tornou tema repetido indefinidamente entre o cinema de terror, com cineastas estreantes usando essa planta como base para filmes sangrentos e até inventivos, mas que nunca arranharam os pés do original. Joss Whedon (Os Vingadores) e Drew Goddard praticamente esgotaram o sub gênero com o excelente O Segredo da Cabana, que deu uma nova dimensão ao arquétipo erguido por Raimi. A vontade de retomar a trama original, no entando, sempre esteve no ar.


Mais dinheiro deixou os possuídos com uma aparência melhor… ok, nem tanto


Foi quando o diretor uruguaio Fede Alvarez entrou em cena. Por anos um remake de A Morte do Demônio foi discutido entre Raimi, Campbell e Tapert, mas as propostas não saiam da teoria. Na mesma época, Raimi assistiu ao curta do diretor, Ataque de Pânico, e lhe propôs produzir uma versão como longa ao custo de 35 milhões de dólares. Alvarez, em contrapartida, sugeriu um caminho intermediário: refilmar Evil Dead. Sua proposta para Raimi foi que o filme tinha de existir como algo que a plateia supostamente não deveria estar assistindo. O roteiro não é nem remake e nem sequência: ambientado três décadas depois do original, mantém os jovens na cabana e a descoberta do livro dos mortos que, lido, liberta o Mal na floresta. Como alguns elementos da estreia de Raimi continuam no lugar – como o carro abandonado ao lado da cabana –, é possível imaginar que a influência maligna do livro force uma repetição dos acontecimentos.

Ah, e o novo Evil Dead não tem Ash.

Em seu lugar, a protagonista é Mia (Jane Levy, tomando o papel que originalmente seria de Lily Collins). Viciada em heroína, ela é levada por um trio de amigos, mais seu irmão, para um fim de semana longe da civilização para uma desintoxicação radical. No porão da cabana, porém, eles encontram o Necronomicon (nunca chamado assim, por sinal, problemas com direitos autorais) e o Mal toma conta. Ao contrário dos 350 mil dólares que Raimi mal tinha à disposição décadas atrás, Alvarez contou com gordos 17 milhões de dólares e um cenário de verdade, não uma cabana abandonada, para tocar o terror. Ainda assim, o diretor estreante traçou algumas regras básicas: nada de efeitos digitais desnecessários (tirando um ou outro retoque, tudo em cena foi feito com tecnologia cinematográfica arcaica, trabalhosa mas de ótimos resultados) e nada de fugir da violência.


O sangue jorra doloroso em A Morte do Demônio


Quando a coisa pega, por sinal, é para valer. O roteiro original (retocado por Diablo Cody para ficar mais “americanizado”) usa alguns elementos do filme de Raimi, presta bem vindas homenagens à trilogia original e abraça um banho de sangue e perversão como há muito o cinema não via. O que não é fácil. De 1981 para cá, as formas de decepar membros, jorrar hemoglobina e retratar possessão demoníaca no cinema se tornaram mais sofisticadas (o que não significa “melhores”), graças aos avanços da tecnologia fílmica. A série Jogos Mortais, por exemplo, esgotou a violência no cinema de tal forma que a plateia ficou amortecida ao volume de punição que um corpo humano pode experimentar. A Morte do Demônio versão 2013 recoloca o elemento sobrenatural que deixa o gore mais inesperado e assustador – de certa forma, esse terror urbano moderno é mais domesticado por ser ato de um maluco, e não do capeta.

A tentativa de fazer de A Morte do Demônio algo seu, porém, fez com que Alvarez deixasse o humor negro característico dos filmes de Raimi completamente de fora. Se por um lado poupou algum ator desavisado do trampo de recriar um personagem tão sensacional quanto Ash, por outro fez com o que o novo filme se perdesse entre tantos exemplares do gênero no cinemão atual. Apesar do trabalho excelente de direção do uruguaio, e de um roteiro que justifica a presença de jovens em uma cabana decrépita no meio do nada, A Morte do Demônio é só mais um filme de terror – dos bons, diga-se. O que pode mudar, claro, com uma provável continuação: tanto Alvarez quanto Raimi anunciaram seus planos em desenvolver sequências para a saga do Livro dos Mortos, e as tramas podem se fundir em um só filme. Desta vez, espera-se, com Ash e sua motosserra no lugar do braço decepado. Afinal, um filme de terror que se preza não pode ficar sem suas risadas nervosas.

Este aí é o trailer do filme original de Sam Raimi – trailer do VHS, só para dar o clima…

Fonte: www.youtube.com


E este é o da versão de Fede Alvarez.

Fonte: www.youtube.com


Para terminar, o curta Ataque de Pânico, que garantiu o trampo do diretor uruguaio.

Fonte: www.youtube.com


Fonte: http://robertosadovski.blogosfera.uol.com.br, através de Roberto Sadovski.

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