Em novembro, a Sala Redenção – Cinema Universitário conta com mais uma curadoria especial. Cesar Almeida, tradutor e editor da Argonautas Editora e organizador do livro Cemitério perdido dos filmes B: explotation, apresenta uma programação dedicada às artes marciais no cinema. A mostra Mestres e dragões é fruto de uma parceria entre a Sala Redenção – Cinema Universitário e a produtora cultural Cena UM. No texto que segue, Almeida apresenta um possível recorte sobre o tema.
Tânia Cardoso de Cardoso, coordenadora Sala Redenção
No início da década de 1970, o universo do cinema foi tomado de assalto por uma onda de filmes vindos do oriente. Originais, dinâmicos e modernos, os Chopsocky, como eram chamados os filmes de Artes Marciais vindos de Hong Kong e Taiwan, tornaram-se uma febre mundial.
A literatura Wuxia do século XIV foi a gênese de tudo.Wuxia, traduzido como “Herói Marcial”, é um gênero da ficção chinesa dedicado aos feitos e aventuras de artistas marciais, e tem entre seus maiores expoentes os livros A Margem da Água, de ShiNai'an, e Romance dos Três Reinos, de LuoGuanzhong.
Obras dessa vertente estão presentes na cinematografia chinesa desde os seus primórdios. Porém, foi apenas no fim da década de 1960 que este filão começou a se popularizar ao redor do mundo. Com o sucesso local de produções do mítico estúdio Shaw Brothers como O grande mestre beberrão (1966) e O espadachim de um braço só (1967), o cinema de Hong Kong se desenvolveu e começou a ser exportado.
Os filmes de kung fu propriamente ditos surgiram no ano de 1970, com o clássico A morte em minhas mãos. No mesmo período, outro estúdio lendário começou suas atividades, a Golden Harvest. Depois dele, a cena de Hong Kong tomou um rumo diverso, possibilitando o surgimento de seu maior ídolo, Bruce Lee, na obra O dragão chinês (1971). O assassino de Shantung (1972) adicionou mais uma dose generosa de sangue a esse cenário já bastante brutal. No mesmo ano, 5 dedos de violência estourou entre as plateias americanas, transformando o cinema de Artes Marciais em uma das principais atrações nos circuitos de Drive-ins e salas de subúrbio.
Outros filmes com Bruce Lee vieram para aumentar a popularidade do estilo: A fúria do dragão (1972) e Operação Dragão (1973), que foi uma coprodução entre ocidente e oriente. A faceta mais mitológica do gênero, característica marcante do início do ciclo, retornou em obras da estirpe de O mestre da guilhotina voadora (1976), A câmara 36 de Shaolin (1978), um dos filmes de kung fu mais populares de todos os tempos, e Os cinco venenos de Shaolin (1978).
O humor predominou nos últimos anos da década de 1970, após a ascensão do astro Jackie Chan. São protagonizados por ele O mestre invencível (1978) e O jovem mestre do kung fu (1980), filmes que contam com coreografias intricadas e um estilo de humor que remete ao cinema mudo.
Depois de décadas de censura e perseguição, a China comunista voltou a produzir obras de Artes Marciais com O Templo de Shaolin (1982). Por fim, O lutador invencível (1984) marcou a fase final do estúdio Shaw Brothers, encerrando assim uma “Era de Ouro” que produziu lendas como os cineastas Chang Cheh, LauKar-leung e King Hu, além do ídolo imortal Bruce Lee, e que influencia até hoje cineastas do porte de Quentin Tarantino, John Woo, Ang Lee e Zhang Yimou.
Cesar Almeida, curador
Acompanhe! A Ficha Técnica, a Programação e a Sinopse da Mostra: Mestres & Dragões – a era de ouro das artes marciais no cinema.
O grande mestre beberrão (Da zui xia, Hong Kong, 1966, 95 min) dir.King Hu
01 de novembro – sexta-feira – 16 horas
06 de novembro – quarta-feira – 16 horas
O filho do governador da província é sequestrado por bandoleiros e a irmã dele, uma heroína conhecida como Andorinha Dourada, vai ao seu resgate. Filme que impulsionou a nova safra de wuxia e consagrou King Hu como o primeiro grande diretor do gênero. O sucesso também alçou ao estrelato a atriz ChengPei-pei, que viria a interpretar várias espadachins ao longo da década seguinte. Unindo elementos do cinema japonês com técnicas ocidentais e a estética da ópera chinesa, Hu criou um estilo memorável.
O espadachim de um braço só (Dubeidao, Hong Kong, 1967, 111 min) dir. Chang Cheh
01 de novembro – sexta-feira – 19 horas – Após a sessão, debate com Cesar Almeida.
04 de novembro – segunda-feira – 16 horas
Espadachim de origem humilde tem o braço direito decepado pela filha invejosa de seu mestre, por quem nutre grande lealdade e tem uma dívida de sangue. Ele então embarca em uma jornada de superação para derrotar os vilões que ameaçam o clã do mestre. De uma vez, surgem duas lendas: Chang Cheh, maior diretor do cinema de Artes Marciais, e Jimmy Wang Yu, primeiro grande astro do estilo. O sucesso gerou várias continuações e imitações, além de consolidar o cinema de Hong Kong.
A morte em minhas mãos (Longhu dou, Hong Kong, 1970, 90 min), dir. Jimmy Wang Yu
04 de novembro – segunda-feira – 19 horas
05 de novembro – terça-feira – 16 horas
Os alunos de uma escola de kung fu são massacrados por quadrilha de japoneses. Apenas um dos estudantes escapa, e ele passa por um treinamento árduo a fim enfrentar seus inimigos e fazer justiça. Estreia do ator Wang Yu como diretor. A morte em minhas mãos deu início a uma nova fase nos filmes de Artes Marciais, na qual os combates armados deram lugar aos confrontos punho a punho. Também é a primeira obra a usar o mote da rivalidade entre escolas, fórmula repetida à exaustão.
O dragão chinês (Tang shan da xiong, Hong Kong, 1971, 100 min),dir.Lo Wei
07 de novembro – quinta-feira – 16 horas
18 de novembro – segunda-feira – 16 horas
Jovem interiorano e perito nas Artes Marciais viaja para a Tailândia onde vai trabalhar com os primos em uma fábrica de gelo usada como fachada por traficantes de drogas. Logo surge um conflito entre funcionários e traficantes. Primeiro filme protagonizado por Bruce Lee. Sucesso arrebatador devido ao carisma e a técnica revolucionária de Lee, que se transformou instantâneamente no maior astro do gênero. Um dos primeiros a deixar as tramas de época e ambientar a ação no tempo atual.
O assassino de Shantung (Ma Yong Zhen, Hong Kong, 1972, 124 min),dir. Chang Cheh e Pao Hsueh-lieh
07 de novembro – quinta-feira – 19 horas
08 de novembro – sexta-feira – 16 horas
Jovem da província de Shantung chega a Xangai onde começa carreira meteórica no crime organizado. Drama violentíssimo ambientado nos anos 20. Cheh (em parceria com Pao Hsueh-lieh), deixando um pouco de lado o clima épico do wuxia, apresenta uma obra com forte crítica social. O crime e a corrupção da China pré-revolucionária são o pano de fundo. A ambiguidade do protagonista, um dos poucos anti-heróis do gênero, é um dos destaques.
5 dedos de violência (Tian xia di yi quan, Hong Kong, 1972, 104 min), dir.Jeong Chang-hwa
08 de novembro – sexta-feira – 19 horas
13 de novembro – quarta-feira – 16 horas
Lutador busca vingar o assassinato de seu mestre participando de um torneio mortal. Produção que desencadeou a febre do kung fu nos EUA. 5 Dedos de Violência repete as fórmulas das escolas rivais e do campeonato de Artes Marciais, porém, as platéias americanas ainda não acostumadas com o estilo adoraram a novidade. Depois disso, filmes de kung fu com péssimas dublagens em inglês tornaram-se presença obrigatória nos drive-ins e cinemas de subúrbio.
A fúria do dragão (Jing wu men, Hong Kong, 1972, 108 min), dir. Lo Wei
18 de novembro – segunda-feira – 19 horas
19 de novembro – terça-feira – 16 horas
Melhor trabalho do diretor Lo Wei e talvez o melhor filme de Bruce Lee. Embora use a fórmula das escolas rivais como trama, a atmosfera trágica, o carisma de Lee e a condução competente de Wei fazem de A Fúria do Dragão um produto acima da média. Chen Zhen, personagem de Lee, criação do roteirista e romancista Ni Kuang inspirado em um lutador real da escola Jing Wu, tornou-se uma figura cultuada, aparecendo em diversos outros filmes.
Operação Dragão (Enter the Dragon, EUA / Hong Kong, 1973, 102 min),dir. Robert Clouse
19 de novembro – terça-feira – 19 horas
20 de novembro – quarta-feira 16 horas
Mestre do kung fu é convocado pelo serviço secreto britânico para se infiltrar em um campeonato organizado por suspeito de ser um chefão internacional do crime. A febre do kung fu nos EUA levou grandes estúdios a olhar para o oriente. Operação Dragão transformou-se no filme mais conhecido de Bruce Lee. A trama insere espionagem e um pouco do clima das histórias de Sax Rohmer no gênero. Lançou também a carreira de Jim Kelly, astro do Blaxploitation.
O mestre da guilhotina voadora (Du bi quanwang da poxuedizi, Taiwan/Hong Kong, 1976, 93 min), dir. Jimmy Wang Yu
21 de novembro – quinta-feira – 16 horas
28 de novembro – quinta-feira – 16 horas
Jimmy Wang Yu volta a interpretar o Boxeador de Um Braço Só, porém dessa vez ele não é o vingador, e sim, o alvo da vingança. Após matar os dois lamas tibetanos no primeiro filme, o Boxeador torna-se a presa do mestre deles, o antológico personagem que dá nome ao filme. Lutadores exóticos e toques de fantasia enriquecem a produção. As lutas espetaculares e a direção firme de Wang Yu ajudaram a fazer de O Mestre da Guilhotina Voadora um clássico obrigatório.
A câmara 36 de Shaolin (Shao Lin san shiliu fang, Hong Kong, 1978, 115 min),dir.Lau Kar-leung
21 de novembro – quinta-feira – 19 horas
22 de novembro – sexta-feira – 16 horas
Jovem perseguido por autoridades corruptas torna-se monge no Templo de Shaolin e passa por intensos treinamentos. Obra prima de Lau Kar-leung que consagrou seu irmão adotivo Gordon Liu como astro. Um dos filmes mais amados do gênero. A partir daqui as coreografias começam a ficar cada vez mais elaboradas. Lau, espetacular coreógrafo, mostra-se um diretor de primeira linha e conduz uma história dramática de fortes contornos políticos.
Os cinco venenos de Shaolin (Wu du, Hong Kong, 1978, 97 min),dir. Chang Cheh
22 de novembro – sexta-feira – 19 horas
25 de novembro – segunda-feira – 16 horas
Mestre moribundo pede a seu discípulo que encontre cinco homens que receberam dele treinamentos inspirados em animais peçonhentos. Chang Cheh produziu um número imenso de histórias wuxia, mas também se mostrou um gênio para os filmes centrados em combates desarmados. Este é seu principal trabalho com o grupo VenomMob, cinco grandes artistas marciais que se revezavam entre papéis de heróis e vilões, além de compartilharem a criação das coreografias espetaculares.
O mestre invencível (Juikuen, Hong Kong, 1978, 111 min) dir. Yuen Woo-ping
25 de novembro – segunda-feira – 19 horas
26 de novembro – terça-feira – 16 horas
Jovem arruaceiro é enviado para treinar com o tio alcoólatra e sádico. Filme em que Jackie Chan encontrou sua personalidade própria, tornando-se assim um grande astro. Lançado por LoWei como substituto de Bruce Lee, Chan participou de produções que atraíram pouca atenção. Em O mestre invencível, a fusão de humor e ação funciona à perfeição. O estilo “kung fu bêbado” fez escola, assim como as impressionantes coreografias de Chan, cheias de malabarismos cômicos.
O jovem mestre do kung fu (Shidichuma, Hong Kong, 1980, 101 min) dir. Jackie Chan
26 de novembro – terça-feira – 19 horas
27 de novembro – quarta-feira – 16 horas
Confundido com o irmão, acusado de assassinato, jovem sai em busca do verdadeiro culpado. Seguindo o caminho de outros astros, Jackie Chan também enveredou para a direção. Seu segundo filme atuando na frente e atrás das câmeras, O Jovem mestre do kung fu, bateu recordes de bilheteria previamente estabelecidos por Bruce Lee. Desse modo, Chan conquistou o título de maior astro do cinema de Artes Marciais vivo, proeza que mantém até hoje.
O Templo de Shaolin (ShaoLin Si, China, 1982, 95 min),dir. Hsin-yanChang
28 de novembro – quinta-feira – 19 horas
29 de novembro - sexta-feira – 16 horas
A trajetória de um aspirante a monge e seus conflitos com os problemas mundanos, afetados pela violência da China durante a transição da dinastia Ming para Manchu. O Templo De Shaolin foi a primeira produção de Hong Kong a ser filmada na China continental. Também foi a estreia de Jet Li no cinema, em uma trama um pouco mais historicamente correta que o habitual. O sucesso levou a um redescobrimento das Artes Marciais na China comunista, e gerou três continuações.
O lutador invencível (Wu lang ba gua gun, Hong Kong, 1984, 98 min),dir. Lau Kar-leung
29 de novembro - sexta-feira – 19 horas
Família de guerreiros é traída por seus generais e acaba massacrada. Considerado como a última obra prima da Shaw Brothers, O lutador invencível é o marco final da “Era de Ouro” do cinema de Artes Marciais. A produção conturbada, que teve de lidar com a morte de seu protagonista Alexander Fu Sheng no meio das gravações, não impediu o magnífico trabalho de LauKar-leung. Cenas de luta impressionantes e o ótimo roteiro (improvisado após a morte de Sheng) colocam essa obra no patamar dos grandes clássicos.
Fonte: Sala Redenção – Cinema Universitário, através de Tânia Cardoso de Cardoso.
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