domingo, 7 de agosto de 2016

Crítica: FOME, ‏através de Marcelo Castro Moraes.


Fonte: www.google.com.br/imagens


Em certa ocasião durante a sua carreira, Betty Davis (A Malvada), disse que o cinema em cores matou os filmes. Embora a opinião dela possa parecer um tanto que precipitada, é bom salientar que o cinema em preto e branco sempre teve a proeza de revelar um mundo com muito mais detalhes e beleza, algo que não se vê muito no colorido, nem mesmo em sua época mais dourada (o tecnicolor). Em Fome, o preto e branco não está ali para somente representar uma vida sem cores do protagonista, mas também revelar um novo olhar da cidade de São Paulo, cuja sua beleza não esconde sua frieza sedutora entre arranha céus e ruas.

Em ‘Fome’ dirigido por Cristiano Burlan (Mataram o meu Irmão) acompanhamos o dia a dia de um morador de rua (interpretado pelo escritor e crítico de cinema Jean-Claude Bernardet) que perambula pelas ruas de São Paulo. Durante sua cruzada pela sobrevivência, o protagonista dá de encontro com alguns personagens curiosos, do qual revelam inúmeras facetas diferentes da cidade. Ao mesmo tempo, o filme explora a fundo, tanto a realidade dessas pessoas, como também de outras tantas.

Com um orçamento de pouco mais de dez mil reais, e rodado em apenas seis dias, o filme já abre de uma forma engenhosa, onde o protagonista lava as mãos num lago de uma determinada praça, mas ao mesmo tempo ele para por um momento para observar a cidade. É nesse momento que a câmera de Burlan dá um giro de 360º graus e fazendo a gente ficar maravilhado com a riqueza dos detalhes. Seja na noite ou no dia, a fotografia do filme é uma espécie de filtro e revelando o que nós não enxergamos. Além disso, Burlan ainda tem a proeza de acompanhar o protagonista em inúmeros planos sequências e fazendo da sua câmera (ou nós) uma espécie de acompanhante do personagem e testemunhar sobre o que acontecerá com ele em seguida. Isso cria até momentos de tensão, já que o protagonista vai com o seu carrinho em frente e sem rodeio, como se nada lhe preocupasse, nem com relação àqueles que o enxergam com um olhar preconceituoso ou opressor. Aliás, esses últimos surgem representados por pessoas das quais se dizem solidárias, quando na realidade são pessoas hipócritas, sendo que o próprio protagonista escancara a verdadeira face deles numa cena chave.

Assim como acontece em inúmeros filmes brasileiros recentes (como Castanha), Fome oscila entre a realidade e a ficção e fazendo uma fusão dos dois gêneros, criando então uma experiência prazerosa com relação ao lado mais cru visto na tela. Por um momento, o protagonista é deixado de lado, para então acompanharmos uma pesquisadora fictícia (Ana Carolina Marinho) de uma universidade, que entrevista alguns moradores de rua reais, para um trabalho a ser apresentado. Curiosamente, os depoimentos dos verdadeiros moradores de rua acabam sendo tão bons e emocionantes, que quando a jovem entrevista finalmente o protagonista, acaba então se revelando o momento mais artificial do filme.

Porém, se Jean-Claude Bernardet falha por um momento nesse cruzamento entre o seu personagem morador de rua fictício, em relação aos verdadeiros, ele consegue então uma redenção quando dá de encontro com um personagem que se diz ter sido o seu aluno de cinema no passado. Durante o diálogo, se percebe que Bernardet está à vontade falando dele mesmo, cujo passado do personagem oscila entre verdades e ficção de sua própria pessoa e faz com que não haja uma separação entre personagem e interprete. É nesse momento que criador e criatura se tornam então um só e fazendo do tropeço anterior se tornar meio que irrelevante.

Com pouco mais de uma hora de duração, Fome é um estudo sobre a sociedade contemporânea de hoje, do qual tratam moradores de rua como seres invisíveis, quando na realidade eles estão bem ali e cada um com a sua própria história para contar.


Trailer

Fonte: www.youtube.com


Fonte: Marcelo Castro Moraes - Crítico Cinematográfico.

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