quinta-feira, 5 de abril de 2012

Que filmaço! É Heleno.

Fonte: www.google.com.br/imagens

Que filmaço é Heleno. Digo isso sem rodeios para uma obra que, na verdade, é difícil, cheia de camadas, significados e grandes momentos. Mas não tem forma melhor de dizer. Tudo neste pequeno filme vai além do que se propõe originalmente. A história se foca na vida de Heleno de Freitas, craque do Botafogo dos anos 1940 -- aquela geração de jogadores que não pôde se consagrar por não ter jogado uma Copa do Mundo, devido à Segunda Guerra Mundial.

O comportamento de Heleno lembra muito os dos astros do futebol no nosso país hoje. Talento fabuloso no campo, tinha uma vida conturbada no âmbito pessoal. Se era um gênio nas partidas, Heleno se tornava um mulherengo, fumante inveterado, dono de temperamento difícil na "vida civil". Este contraste conceitual é algo que perpassa o filme todo: da deslumbrante fotografia em preto-e-branco do genial Walter Carvalho (que também assinou a luz de Central do Brasil, Cazuza - o tempo não para) à ótima montagem de Sérgio Mekler.

Aliás, a montagem é um aspecto essencial na construção da historia que Heleno quer narrar: desde o início, estabelece uma narrativa paralela entre o jogador no auge da fama, vivendo como um rei no Copacabana Palace, e o seu amargo final, ensandecido pela sífilis num manicômio no interior. Estes dois Helenos vão lentamente sendo levados pela montagem no decorrer do filme até chegarem num ser só. É um trabalho de sensibilidade única. Sensibilidade é o que o diretor José Henrique Fonseca proporciona, por sinal. Não espere ver grandes encenações de futebol. O cineasta trata seu filme como uma espécie de sonho -- ou pesadelo --, não raro investindo na subjetividade. A cena em que Heleno finalmente joga no Maracanã, por exemplo, é quase um símbolo: a câmera gira em torno do solitário jogador, embasbacado pelo alarido do colossal estádio.

Por outro lado, Fonseca assume um realismo total em outras passagens -- como na tocante (e improvisada) cena em que Heleno tenta obrigar a um dos seus colegas do manicômio a fumar, que fica mais dramática pelo fato de que os coadjuvantes serem mesmo internos de uma clínica psiquiátrica.

Entretanto, Heleno não teria metade da sua força se não fosse pela atuação quase alienígena de Rodrigo Santoro. O ator entrega uma das maiores performances masculinas da história do cinema nacional, se jogando em todos os níveis da psique e do físico do personagem. Heleno e Santoro transpiram intensidade o tempo inteiro -- seja ao galantear as mulheres, seja ao reclamar dos seus companheiros de time ("todo jogador deveria ouvir uma ópera antes de entrar na partida", "treino é jogo e jogo é vida" são algumas das frases que ele dispara). Ainda mais impressionante é a sua transfiguração física para viver a decadência de Heleno: Santoro precisou emagrecer 12 quilos. Santoro ainda é ancorado por um elenco que sempre vai além do chamado do dever -- com destaque para a colombiana Angie Cepada (como a sensual amante de Heleno) e para Maurício Tizumba (o enfermeiro que cuida do jogador). O resultado final é um belíssimo filme -- às vezes difícil, mas sempre surpreendente. Junto com O Palhaço, é uma grande obra recente da nossa cinematografia.

- Crítica de Ulisses Da Motta Costa, originalmente publicada no blog Sétima das Artes.

Maiores informações sobre o autor desta crítica, você encontra no: http://www.ahoradocinema.com/site/noticias/8

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